quinta-feira, 12 de julho de 2007

Catarse


Em andar distraído não percebo que me dirijo à alameda. Cilada. Logo meus olhos a reconhecem e se prendem a cada pedra que compõe o caminho. Meu olhar se torna fixo e é fuga, porque eu me volto toda ao meu interior habitado por lembranças desfalecidas num canto empoeirado da memória. Quiçá meu olhar fixo é disfarce meditativo, porque eu me ausento do agora. Reanimo lembranças em preto e branco, com as quais dialogo, enquanto passos titubeantes consomem gota a gota o caminho. A metrópole me cerca e pulsa em ritmo frenético, é vai e vem ensandecido, o qual ignoro, porque eu me habito. O diálogo com lembranças é breve, tão abreviado quanto o ato de submetê-las ao moedor do tempo. Ouço, depois discuto. As conduzo, depois miro o pó em monte a que foram reduzidas. O breve percurso vencido em concisos instantes é suficiente para meus olhos compreenderem que se querem livres de lembranças, porque ambicionam acompanhar o vôo bailarino de borboletas. A alameda finda e meu olhar se torna colorido novamente. Atrás de mim, abandono um rastro efêmero de lembranças em pó.
(imagem: unprofound.com/reedy)

sábado, 7 de julho de 2007

Procura de Olhos de Menina


Onde ela estaria? Meus espertos olhos de menina esperta permaneceram durante todo o tempo a procurá-la. Eles percorriam atentamente, ora, faces lacrimejantes, ora, cínicas faces, ora, faces de dor, ora, desprezíveis faces de desprezo, procurando identificá-la entre lágrimas e lamentos. Eu balançava as pernas, porque meus pés não tocavam o chão. Um toco de cigarro, ainda acesso, lutava contra o vento e roubava a atenção de meus espertos olhos de menina dispersa: na caixinha de madeira que guardava areia, localizada próxima do banco no qual eu me encontrava, ora reluziam fagulhas vermelhas, ora ameaçavam apagar...
Eu, desfalecida no alto banco de madeira, brincava de saracotear pernas no ar encharcado de lágrimas e lamúrias. No entanto, logo percebi a movimentação que vinha da sala. Não me interessei em saber o que estava acontecendo, mas logo entendi. Em seguida, fui puxada por uma das mãos; alguém me conduzia e confortava. As pessoas se dispersavam em silêncio, algumas ainda limpavam as lágrimas, outras se abraçavam, todas se despediam. Colocaram-me em um carro que foi lentamente seguindo outros carros em arrastada marcha lenta. Ninguém ousava dizer nada; o silêncio era o tirano do momento. Pelo vidro do carro, eu observava o espanto estampado na face de alguns pedestres com os quais cruzávamos no caminho. A marcha, a qual o automóvel seguia, fez com que, aos poucos, meus olhos espertos de menina exausta se rendessem à sonolência. No entanto, antes que eles pudessem se deixar seduzir pelo sono, o automóvel parou. Descemos todos e seguimos pelo cemitério de altos pinheiros, dos quais choviam pinhas secas e espinhentas. Meus espertos olhos de menina curiosa comparavam os túmulos que se seguiam ao meu atilado olhar, buscando eleger o mais belo... Mas onde ela estaria?
Eu nem percebi quando chegamos. O túmulo já lá estava muito próximo do buraco negro de retangular forma. O monte de terra ruiva e silenciosa aguardava o momento de selar o ato. Meus olhos espertos de menina medrosa se fixaram no buraco negro e passaram a temer. Onde ela estaria?
Lá estava ela. Diante de meus nada espertos olhos de menina amedrontada, ao pé do buraco negro, sorrindo calma, zelando para que tudo fosse até o fim. Diante de sua serenidade, eu apertei a mão que me conduzia, buscando forças para assistir tudo até o fim. Mas não consegui. Cedi ao espetáculo da morte: um frio tomou conta do meu corpo, gelando-me os ossos; as lágrimas explodiram em meus olhos, em um pranto desesperado.
Senti-me fracassada. Dali eu fui arrancada por alguém que tentava me confortar de todas as maneiras. Não consegui assistir até último ato o espetáculo da morte que, certamente, ria de mim, quando deixei para trás, em lágrimas, o cemitério, ao som do vento que açoitava os altos pinheiros que também choravam espinhentas pinhas secas.
(imagem: unprofound.com/jim)