quinta-feira, 12 de julho de 2007

Catarse


Em andar distraído não percebo que me dirijo à alameda. Cilada. Logo meus olhos a reconhecem e se prendem a cada pedra que compõe o caminho. Meu olhar se torna fixo e é fuga, porque eu me volto toda ao meu interior habitado por lembranças desfalecidas num canto empoeirado da memória. Quiçá meu olhar fixo é disfarce meditativo, porque eu me ausento do agora. Reanimo lembranças em preto e branco, com as quais dialogo, enquanto passos titubeantes consomem gota a gota o caminho. A metrópole me cerca e pulsa em ritmo frenético, é vai e vem ensandecido, o qual ignoro, porque eu me habito. O diálogo com lembranças é breve, tão abreviado quanto o ato de submetê-las ao moedor do tempo. Ouço, depois discuto. As conduzo, depois miro o pó em monte a que foram reduzidas. O breve percurso vencido em concisos instantes é suficiente para meus olhos compreenderem que se querem livres de lembranças, porque ambicionam acompanhar o vôo bailarino de borboletas. A alameda finda e meu olhar se torna colorido novamente. Atrás de mim, abandono um rastro efêmero de lembranças em pó.
(imagem: unprofound.com/reedy)

4 comentários:

Ramon de Alencar disse...

...
-Mas todo pó, se misturando com alguma água vira argamasa, para colar, juntar, edificar...

Anônimo disse...

Cau, lembra quando conversávamos a respeito de que "ser escritor" não se aprende, se nasce?
E você nasce, sempre.
Beijo

Raiça Bomfim disse...

já diria o Pessoa:

"...
passa ave
passa
e ensina-me a passar
..."

Espatódea disse...

E a cada rastro que fica, fica também uma história, uma ruga e uma esperança... Belo texto!