domingo, 27 de julho de 2008


"Conhece-te a ti mesmo"


(letreiro na entrada da Oráculo de Delphos, na Grécia antiga, elevado à lema filosófico por Sócrates)

domingo, 13 de julho de 2008


"(...) porque ser isto ou aquilo e nao isto e aquilo?"


Carol Teixeira

domingo, 1 de junho de 2008


"Não é a realidade que aprisiona; mas a atitude em relação à cultura."

Nietzsche

domingo, 25 de maio de 2008

MEU CONTO PREFERIDO: Ausência Insólita


A chaleira chiou no mesmo horário em que chiava todas as manhãs. Maria derramou o olhar sobre o café em pó depositado no coador; depois a água fervente sobre o pó em espera. A fusão dos elementos exalou um perfume irresistível, que despertou a preguiçosa manhã ainda sonolenta. Maria derramou um pequeno gole de café na boca e tomou o caminho comum de todos os dias, iniciando a procissão não sagrada de todas as manhãs e tardes e noites: do fogão à lenha ao tanque de pedra, do tanque de pedra à tábua de passar roupas, da tábua de passar roupas ao fogão novamente...Maria cansada de esforço, Maria enfadada da rotina, Maria consumida pelo tempo. Mas no percorrer da procissão prosaica de todos os dias, Maria deparou-se com o insólito: a imagem refletida na superfície de um espelho, cujo brilho era lembrança, a tomou de sobressalto. O andar humilde de pés conformados com o corriqueiro da existência, que arrasta um olhar que não mais se derrama sobre a vida, interrompeu-se diante do abatido espelho. O olhar de Maria derramou-se todo de uma vez só, todo diante da imagem da mulher refletida.Absorta, Maria deitou um olhar acurado sobre a imagem reproduzida diante de seus olhos... E analisou a mulher-figura diante do espelho. E estendeu um olhar destrutivo sobre o desenho feminino, desmanchando-o, para, logo em seguida, esboçá-lo novamente. E com olhos curiosos, Maria percorreu olhos, nariz, boca, pele, corpo... E com olhos desconhecidos, Maria foi conhecendo a Maria que era. E Maria diante de Maria, afastou pensamentos confusos e quis apenas perceber-se. E com olhos de querer, Maria quis cuidar daquela Maria refletida na superfície gasta de um espelho consumido pelo passado. E com olhos que querem mais que ver, olhos que querem tocar, Maria tocou a Maria do espelho, sentindo sensações incomuns a partir do permitir-se sentir. E com olhos de cuidado, Maria percebeu o quanto Maria precisava de cuidado. E com os olhos do tempo, Maria observou o tempo que passou indelével por pele e corpo marcados. E com olhos de querer-se-bem e com pétalas de bem-me-quer, Maria quis amar-se. E com olhos de esperança derramados todos de uma vez só sobre o espelho combalido, Maria afastou as preocupações prosaicas dos olhos cansados. E com olhos que transbordaram fidelidade, Maria prometeu à Maria refletida o que a ela faltava. Com raro olhar, Maria permaneceu inerte, contemplando o insólito diante do espelho...(...)Ao chegarem ao lar, filhos e marido perceberam algo incomum: as roupas ainda dançavam no varal, o tanque de pedra chorava abandono, a comida adormecia ainda. Tudo denunciava a ausência de Maria.

"Você deve estar preparado para que se queimar na própria chama: como se renovar sem primeiro se tornar cinzas?"

Nietzsche

sábado, 5 de abril de 2008

Enredo

Meu olhar é triste e triste é o velar calado como todo o velar que se estende sobre algo que para nós não se ilumina mais...
O véu de tristeza que lhe envolve é efêmero, tão efêmero quanto o ser velado, que silencioso deixa-se abarcar pela tristeza tecida em véu...
Meu olhar silente paira sobre o triste velar de um sentimento que se esvai na efemeridade da vida, a qual volta-se a iluminar num piscar de meus olhos que já olvidam a tristeza daquele velar...

domingo, 23 de março de 2008

Citação : do direito de dizer tudo, Altair Martins


"Chego a um fato: sociedade é coisa que nos suicida. A arte, um grito contra o normal."
(imagem: unprofound.com/jim)

sábado, 22 de março de 2008

Desistência


Dedos desacreditados reduzem torradas a farelos que confusamente caem sobre a toalha do café ainda não passado. A xícara - em silêncio - aguarda a água quente que lá no fogão fumega sozinha. Facas e colheres repousam tranqüilas sobre a mesa. A manteiga se derrete vagarosamente, escorrendo sobre a prata que se deixa macular pela gordura amarelada.
As facas permanecem brilhantes, porque não machucam a manteiga. Não há fusão, porque o pó do café não se topa com a água que fumega solitária sobre o fogão. As torradas não se deixam invadir pela manteiga, que sequer às tocam, porque as mesmas agora são migalhas sobre a mesa. O açúcar permanece adormecido na escuridão elegante do açucareiro de prata.
As mãos que há pouco esfarelavam torradas, agora, harmoniosas, buscam unir as migalhas que cravejam a toalha de renda de um café que não aconteceu. O persistente movimento de um vai e vem demorado reúne farelos que nunca mais poderão se coadunar e compor um corpo único. Fragmentados, correspondem a corpos únicos, que mesmo juntos, permanecem apartados por sua individualidade física.
Não há mais torradas, mas ainda há manteiga, portanto, ainda há esperança. A água, embora não fumegue como fumegava, ainda permanece solícita a esperar seu encontro com o pó a ser dissolvido. As facas de uma prata impecavelmente brilhante refletem a luz e o movimento de mãos titubeantes que unidas buscam forças...
Água fria não dissolve café em pó.
Não há torradas para a manteiga.
As facas e colheres ainda brilham de tão limpas.
O açúcar permanece intocável em sua alvura.
Ortodoxamente organizadas em carreiras, formigas vermelhas ocupam-se de remover os farelos da mesa na cozinha em silêncio. Esperançosas, elas livram a toalha de migalhas para que, quem sabe, o próximo café aconteça.