quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

2009: Carta

Eu reafirmo meu amor pela literatura. Eu reafirmo meu amor pelo delicioso exercício de enlaçar palavras que enlaçadas são suficientes para delinear tortos caminhos que nos conduzem a enviesados personagens e suas histórias atravessadas. É flagrante fuga. E porque não fugir para os braços da imaginação e permitir-se sentir pelo simples prazer de sentir? Isso é roubar o que não nos pertence, é invadir histórias que não são nossas, mas que - ao final das contas - podem se parecer com a nossa própria história. E não há constrangimento, há prazer no desnudar palavra a palavra o personagem que, ao longo de páginas, luta contra algo, procura algo, quer algo ou simplesmente se entrega à displicência. Isso é pura identidade, porque eu ora luto contra algo, ora procuro algo ou alguém, ora quero ardentemente algo ou me entrego desavergonhadamente à displicência como se ela fosse minha salvação. È a vida decifrada em palavras, bordada em páginas, que meu olhar desalinha para suturar em mim uma nova experiência.

domingo, 27 de julho de 2008


"Conhece-te a ti mesmo"


(letreiro na entrada da Oráculo de Delphos, na Grécia antiga, elevado à lema filosófico por Sócrates)

domingo, 13 de julho de 2008


"(...) porque ser isto ou aquilo e nao isto e aquilo?"


Carol Teixeira

domingo, 1 de junho de 2008


"Não é a realidade que aprisiona; mas a atitude em relação à cultura."

Nietzsche

domingo, 25 de maio de 2008

MEU CONTO PREFERIDO: Ausência Insólita


A chaleira chiou no mesmo horário em que chiava todas as manhãs. Maria derramou o olhar sobre o café em pó depositado no coador; depois a água fervente sobre o pó em espera. A fusão dos elementos exalou um perfume irresistível, que despertou a preguiçosa manhã ainda sonolenta. Maria derramou um pequeno gole de café na boca e tomou o caminho comum de todos os dias, iniciando a procissão não sagrada de todas as manhãs e tardes e noites: do fogão à lenha ao tanque de pedra, do tanque de pedra à tábua de passar roupas, da tábua de passar roupas ao fogão novamente...Maria cansada de esforço, Maria enfadada da rotina, Maria consumida pelo tempo. Mas no percorrer da procissão prosaica de todos os dias, Maria deparou-se com o insólito: a imagem refletida na superfície de um espelho, cujo brilho era lembrança, a tomou de sobressalto. O andar humilde de pés conformados com o corriqueiro da existência, que arrasta um olhar que não mais se derrama sobre a vida, interrompeu-se diante do abatido espelho. O olhar de Maria derramou-se todo de uma vez só, todo diante da imagem da mulher refletida.Absorta, Maria deitou um olhar acurado sobre a imagem reproduzida diante de seus olhos... E analisou a mulher-figura diante do espelho. E estendeu um olhar destrutivo sobre o desenho feminino, desmanchando-o, para, logo em seguida, esboçá-lo novamente. E com olhos curiosos, Maria percorreu olhos, nariz, boca, pele, corpo... E com olhos desconhecidos, Maria foi conhecendo a Maria que era. E Maria diante de Maria, afastou pensamentos confusos e quis apenas perceber-se. E com olhos de querer, Maria quis cuidar daquela Maria refletida na superfície gasta de um espelho consumido pelo passado. E com olhos que querem mais que ver, olhos que querem tocar, Maria tocou a Maria do espelho, sentindo sensações incomuns a partir do permitir-se sentir. E com olhos de cuidado, Maria percebeu o quanto Maria precisava de cuidado. E com os olhos do tempo, Maria observou o tempo que passou indelével por pele e corpo marcados. E com olhos de querer-se-bem e com pétalas de bem-me-quer, Maria quis amar-se. E com olhos de esperança derramados todos de uma vez só sobre o espelho combalido, Maria afastou as preocupações prosaicas dos olhos cansados. E com olhos que transbordaram fidelidade, Maria prometeu à Maria refletida o que a ela faltava. Com raro olhar, Maria permaneceu inerte, contemplando o insólito diante do espelho...(...)Ao chegarem ao lar, filhos e marido perceberam algo incomum: as roupas ainda dançavam no varal, o tanque de pedra chorava abandono, a comida adormecia ainda. Tudo denunciava a ausência de Maria.

"Você deve estar preparado para que se queimar na própria chama: como se renovar sem primeiro se tornar cinzas?"

Nietzsche

sábado, 5 de abril de 2008

Enredo

Meu olhar é triste e triste é o velar calado como todo o velar que se estende sobre algo que para nós não se ilumina mais...
O véu de tristeza que lhe envolve é efêmero, tão efêmero quanto o ser velado, que silencioso deixa-se abarcar pela tristeza tecida em véu...
Meu olhar silente paira sobre o triste velar de um sentimento que se esvai na efemeridade da vida, a qual volta-se a iluminar num piscar de meus olhos que já olvidam a tristeza daquele velar...